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25 de mai. de 2013

SÓ UM DEUS NOS PODERÁ SALVAR

Diário da Manhã
Leonardo Boff
A crise de nossa civilização técnico-científica exige mais que explicações históricas e sociológicas. Ela demanda uma reflexão filosófica que desemboca numa questão teológica. Quem o viu claramente foi Martin Heidegger (1889-1976), antes mesmo que tivesse surgido o alarme ecológico.Numa famosa conferência em 1955 em Munique “Sobre a questão da técnica”na qual estavam presentes Werner Heisenberg e Ortega y Gasset, ele tornou claro o risco que o mundo natural e a humanidade correm quando se deixam absorver totalmente pela lógica intrínseca deste modo de pensar e de agir: intervem e manipula o mundo natural até às suas últimas camadas para tirar benefícios individuais ou sociais. A cultura técnico-científica penetrou de tal forma na nossa autocompreensão que já não podemos entender a nós mesmos nem viver sem essa muleta que introjetamos em nosso próprio ser e estar-no-mundo.
Ela representa a convergência de duas tradições da filosofia ocidental: a platônica de cariz idealista transfigurada pela incorporação cristã e a aristotélica, mais empírica que está na base da ciência. Elas se fundiram no século XVII a partir de Descartes e fundaram a moderna tecno-ciência moderna, o paradigma dominante.
O interesse desse modo de ser é  como  são as coisas, como funcionam e como nos podem ser úteis. Não é o milagre de que as coisas são, confrontadas com o nada. Separamo-nos do mundo natural para entrar profundamente no mundo artificial.  Perdemos a relação orgânica com as coisas, as plantas, os animais, as montanhas e com os próprios seres humanos. Tudo se transforma em instrumento para alguma finalidade. Não vemos o ser humano, como pessoa, portadora de um propósito, mas a sua força de trabalho, seja física seja intellectual que pode ser explorada.
Se algo pode ser feito, será feito sem qualquer justificação ética. Se podemos desintegrar o átomo não há porque não faze-lo e construir uma bomba atômica. Se podemos lançá-la sobre Hiroshima e Nagasaki quem o impedirá? Se posso manipular o código genético, não há limite moral ou ético que o possa coibir. E fazemos as experiências que acharmos interessantes e úteis para o mercado e para certa qualidade de vida.
Heidegger nos adverte que esta tecnociência criou em nós um dispositivo (Gestell), um modo de ver que considera tudo como coisa ao nosso dispor. Colonizou todos os espaços e subjugou todos os saberes. Transformou-se num motor que se acelerou de tal forma que já não sabemos como pará-lo. Tornamo-nos reféns dele. Ele nos dita o que fazer ou deixar de fazer.
Neste ponto Heidegger aponta o altíssimo risco que corremos como natureza e como espécie. A tecno-ciência afetou as bases que sustentam a vida e criou tanta força destrutiva que nos pode exterminar a todos. Os meios já foram construídos e estão aí à nossa disposição. Quem segurará a mão para não deslanchar um  armagedon natural e humano? Essa é a questão magna que nos deveria ocupar como pessoas e como humanidade e menos o crescimento e as taxas de juros.      
A resposta tentada por Heidegger é uma Kehre, uma “Volta” que signfica uma revira-Volta. Este é o propósito final de todo o seu pensamento, como o revelou numa carta a Karl Jaspers: ser um zelador de museu que tira a poeira sobre os objetos para que se deixem ver. Como filósofo se propunha (pena que usa uma linguagem terrivelmente complicada) remover o que encobre o habitual e o cotidiano da vida. Pela sofisticação técnico-científica ele ficou esquecido, abstrato ou enrijecido. Ao fazer isso o que se revela então? Nada senão aquilo que nos rodeia e que constitui o nosso ser-no-mundo-com-os outros e com a paisagem, com o azul do céu, com a chuva e com o sol. É deixar ver as coisas assim  como são; elas não nos oprimem mas estão, tranquilas, conosco em casa. Foi buscar inspiração para esse modo de ser nos pre-socráticos particularmente em Heráclito, que viviam o pensamento originário antes de se transformar com Platão e Aristóteles em metafísica, base da tecnociência.
Mas suspeita que seja tarde demais. Estamos tão próximos do abismo que não temos como voltar. Na sua última entrevista ao Spiegel de 1976 publicada post-mortem diz: “Só um Deus nos pode salvar”. A questão filosófica sobre o destino de nossa cultura se transformou numa questão teológica: Deus vai intervir? Vai permitir a autodestruição da espécie?
Como teólogo cristão direi como São Paulo:”a esperança não nos engana”(Rm 5,5) porque “Deus é o soberano amante da vida”(Sb 11,26). Não sei como. Apenas espero.
(Leonardo Boff, autor de Proteger a Terra-cuidar da vida: como escapar do fim do mundo, Record Rio 2010)

14 de mai. de 2013

FAMÍLIA - CÉLULA VITAL E PRIMÁRIA DA SOCIEDADE (Reflexão à Luz dos Documentos da Igreja)

     A família é em certo sentido uma escola de enriquecimento humano; mas para atingir a plenitude de sua vida e de sua missão requer a comunhão de alma no bem-querer, a decisão comum dos esposos e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos. Estes (os filhos) sejam educados de tal maneira que, ao atingir a idade adulta, possam seguir com pleno senso de responsabilidade sua vocação.

     Desta maneira a família constitui o fundamento da sociedade. Por isso, todos aqueles que exercem influência nas comunidades e nos grupos sociais devem trabalhar eficazmente para a promoção do matrimônio e da família.(GS)

     Uma vez que o Criador de tudo constituiu o matrimônio como princípio e fundamento da sociedade humana, e o tornou por Sua graça o grande sacramento em Cristo e na Igreja (cf. Ef 5,32), o apostolado dos cônjuges e das famílias assume importância singular, tanto em benefício da Igreja, quanto da sociedade civil. As famílias cristâs, coerentes em toda a sua vida com o Evangelho e dando exemplo de uma vida matrimonial cristã, oferecem ao mundo testemunho preciosíssimo de Cristo.(AA)

     Com isso, os fiéis promovam ativamente os valores da família e do matrimônio pelo próprio exemplo. Os próprios esposos estejam unidos por um igual afeto e por uma santidade mútua, a fim de que, seguindo a Jesus Cristo, princípio da vida, se tornem, nas alegrias e nos sacrifícios de sua vocação, por seu amor fiel, testemunhas daquele mistério de amor que o Senhor revelou ao mundo por sua morte e ressurreição.(GS)

     Os cônjuges cristãos, pela virtude do sacramento do Matrimônio, pelo qual significam e participam do mistério de unidade e fecundo amor entre Cristo e a Igreja, ajudam-se a santificar-se um ao outro na vida conjugal bem como na aceitação e educação dos filhos.(LG)

     Porque  deram vida aos filhos, contraem os pais o dever de educá-los. Por isso, hão de considerar-se como seus primeiros e principais educadores. Essa tarefa educacional se revela de tanta importância, que onde quer que falhe dificilmente poderá ser suprida. A família é pois a primeira escola de virtudes sociais de que precisam todas as sociedades. Aí é que fazem a primeira experiência tanto de uma sociedade humana sadia quanto da Igreja. (GE)

Siglas (Documentos da Igreja):
AA= Decreto Apostolicam Actuositatem
GE= Declaração Gravissimum Educationis
GS= Constituição Pastoral Gaudium et Spes
LG= Constituição Dogmática Lumen Gentium

Celsio Elias Carrocini - Franca-sp.

4 de mai. de 2013

NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527)

A obra de Maquiavel funda o pensamento político moderno porque busca oferecer respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam compreender lendo os autores antigos, deixando escapar a observação dos acontecimentos que ocorriam diante de seus olhos.

Toda Cidade, diz ele em O Príncipe, está originariamente dividida por dois desejos opostos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. Essa divisão evidencia que a Cidade não é uma comunidade homogênea nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na realidade, para ele, a Cidade é tecida por lutas internas que a obrigam a instituir um pólo superior que possa unificá-la e dar-lhe identidade. Esse pólo é o poder político. Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade. A política resulta da ação social das dvisões sociais.

O ponto de partida da política para Maquiavel é a divisão social entre os grandes e o povo. A sociedade é originariamente dividida e jamais pode ser vista como uma comunidade una, indivisa, homogênea, voltada para o bem comum. Essa imagem da unidade e da indivisão, diz Maquiavel, é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se os interesses dos grandes e dos populares fossem os mesmos e todos fossem irmãos e iguais numa bela comunidade.

A finalidade da política não é, como diziam os gregos, a justiça e o bem comum, mas, como sempre souberam os políticos, a tomada e manutenção do poder. O verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar o poder e que, para isso, jamais deve aliar-se aos grandes, pois estes são seus rivais e querem o poder para si, mas deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao desejo de opressão e mando dos grandes. A política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força transformadora em lógica do poder e da lei.

Maquiavel recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso. O príncipe precisa ter virtu, mas esta é propriamente política, referindo-se às qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, a astúcia e a força.

Isso significa, em primeiro lugar, que deve ser respeitado e temido - o que só é possível se não for odiado.
A virtu do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à fortuna, lutando contra ela. A virtu é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna. Em outras palavras, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá virtu alguma.

Para ser senhor da sorte ou das circunstâncias, deve mudar com elas e, como elas, ser volúvel e inconstante, pois somente assim saberá agarrá-las e vencê-las. Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em alguns, ser inflexível. O ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.

A fortuna, diz Maquiavel, é sempre favorável a quem desejar agarrá-la. Oferece-se como um presente a todo aquele que tiver ousadia para dobrá-la e vencê-la. Assim, em lugar da tradicional oposição entre a constância do caráter virtuoso e a inconstância da fortuna, Maquiavel introduz a virtude política como astúcia e capacidade para adaptar-se às circunstâncias e aos tempos, como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más.

A lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser imoral do ponto de vista da ética privada pode ser virtu política. Em outras palavras, Maquiavel inaugura a ideia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos. O ethos político e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder.
Fonte:
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia, 13ª Ed. São Paulo, Editora Ática, p.368-371.


SÍNTESE EM TÓPICOS:
-Nasceu e morreu em Florença na Itália;
-Escreveu a obra "O Príncipe", que contém ensinamentos de como conquistar Estados e conservá-los sob domínio; em síntese, um manual aos governantes da época;
-Considerado o "Pai da Política Moderna"; A finalidade da política é a tomada e manutenção do poder;
-O príncipe precisa ter virtu, ou seja, as qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deve usar a violência, a mentira, a astúcia e a força;
-O príncipe não precisa ser amado, mas respeitado e temido;
-O caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas. Em certas circunstâncias deverá ser cruel, em outras, generoso;
- A virtu necessita caminhar junto com a fortuna. A fortuna, para Maquiavel, seria a ocasião propícia juntamente com a sorte das circunstâncias.