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3 de nov. de 2014

O DEUS SEGUNDO FRANCISCO

O Papa inova ao eleger como marca de seu discurso a defesa de um Deus, antes de tudo, misericordioso.
Deus não deve ser entendido como um mágico munido de varinha de condão, que vive a criar e mudar coisas no universo. A teoria darwinista da evolução e a hipótese do Big Bang como explicação para a origem do mundo são razoáveis. Ideias defendidas nos últimos dias pelo papa Francisco, suscitam reflexões sobre o “conceito” de Deus ofertado pela autoridade máxima do catolicismo.
 
Com seu discurso, Francisco confirma a aceitação à teoria evolucionista já demonstrada pelos papas João Paulo II, em 1996, e Pio XII, nos anos 1950. O Big Bang, explosão que teria originado o tempo e o espaço, teve entre seus primeiros teóricos um padre, o belga Georges Lemaître (1894-1966). A conciliação entre ciência e religião, portanto, não é inédita. Mas, para o doutor em filosofia e teologia Carlo Tursi, Francisco inova no tom e na forma explícita com que trata a questão.
 
“O discurso de Francisco dispensa o Deus que intervém no mundo suspendendo as leis da física, fazendo milagres o tempo todo. No fundo, outros papas, depois de Pio XII, disseram as mesmas coisas, mas em âmbito mais restrito. Francisco distribui à grande multidão a ideia de que não existe um Deus ‘tapa-buraco’. Deus existiria muito mais como uma certeza, um clima de confiança e de fé, a certeza de que não estamos aqui por acaso”, explica Tursi.

Deus bíblico
O discurso moderado de Francisco e sua relativa abertura a temas tabus da Igreja refletiriam, ainda, a perspectiva do papa sobre um Deus, antes de tudo, misericordioso. Na interpretação do padre Júnior Aquino, da Arquidiocese de Limoeiro do Norte, Francisco recupera e reafirma fortemente o Deus da experiência bíblica, o Deus que perdoa, o Deus próximo, sempre do lado dos que sofrem.
 
A perspectiva já havia sido adotada por João Paulo II, mas fora pouco explorada por Bento XVI. “A temática da misericórdia, da justiça, dos pobres, não foi negada por Bento, mas isso não era a marca dele. Bento insistia muito mais na questão da doutrina, nos fundamentos dogmáticos”, explica Aquino. “Essa perspectiva de Francisco se torna nova na medida em que aparece o tempo todo na boca do papa. É uma marca discursiva importante”, completa o professor de Teologia Rodrigo Coppe, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
 
Não se trata, porém, de qualificar como mais ou menos adequadas as concepções de Francisco sobre Deus. Mesmo porque, dentro e fora da Igreja, há resistência ao modo como o papa tem tratado tal questão. 
A tese de que Deus criou o mundo em sete dias
A ideia do papa Francisco de que Deus não deve ser interpretado como um mago com varinha mágica estaria ligada às ideias difundidas entre os jesuítas sobre a origem do mundo. “Nos anos 1980, (o teólogo jesuíta alemão) Karl Rahner já havia abandonado a ideia do ato criacional original, e interpretava a questão criativa de Deus como uma ‘força’ que acompanha a evolução humana, responsável pelos saltos qualitativos da humanidade – do inorgânico para o orgânico, do sensível para o inteligente. Esses saltos são insuficientemente explicados pela ciência”, afirma o teólogo Carlo Tursi.
 
O padre Júnior Aquino, da Arquidiocese de Limoeiro do Norte, acrescenta que o relato bíblico de que Deus criou o mundo em sete dias deve ser visto como simbologia. “Há muito tempo se tem clareza de que são apenas textos teológicos para afirmar a centralidade de Deus na vida humana”.  
“Deus não agiu como um mago, usando uma varinha mágica para fazer tudo” 

“O Big Bang, que hoje temos como a origem do mundo, não contradiz a intervenção do criador divino, mas o exige”

Papa Francisco  
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Fonte: O Povo Online/Conceito 02/11/2014