Durante toda a trajetória bíblica vetero-testamentária, percebe-se uma relação muito íntima entre Deus, o homem e o Orbe Terrestre. “Essa relação atravessa os livros sagrados de ponta a ponta, como uma espécie de fio condutor o qual vai manifestando na história os desígnios de Javé. A superação do pecado pela graça – contida no êxodo – passa pela promessa de uma nova Terra”.[1]
Toda esta fundamentação bíblica vivenciada pelo povo hebreu juntamente às manifestações naturais ocasionadas, em grande parte, pelo mau uso do Orbe, tem sido, à luz da mensagem cristã, subsídio importante da reflexão e da aderência da Igreja com relação a uma interação mais consciente e responsável com o planeta – nossa casa.
A natureza profunda da criação é ser um dom de Deus ao ser humano, um dom para todos, e Deus quer que assim permaneça.[2] No relato da criação vemos que Deus modela o homem da terra (Gn 2,7) e entrega esta terra para que o homem possa cultivá-la e guardá-la (Gn 2,15). “Deus deu ao homem a terra cultivável, com suas plantas e animais (Gn 1,29; 2,18-20). Um pomar é o lugar da graça e da amizade de Deus (Gn 2,8); a expulsão do Éden (Gn 3,23-24) e o banimento do solo fértil (Gn 4,11-14) é o claro símbolo de castigo e de desgraça”.[3]
É a primeira tarefa que Deus confia ao homem – e, evidentemente, trata-se de uma tarefa fundamental – ou seja, a atitude que o homem deve assumir em relação à Terra e a todas as criaturas. “Sujeitar e dominar são verbos que podem ser facilmente mal entendidos e podem até parecer uma justificação para aquele domínio despótico e prepotente, que não se importa com a Terra e os seus frutos, mas estraga-os para vantagem própria. Na realidade, ‘sujeitar’ e ‘dominar’ são verbos que, na linguagem bíblica, servem para descrever o domínio do rei sábio, que cuida do bem-estar de todos os seus súditos”.[4]
Também com Abrão encontramos em Gn 15,18: “Nesse dia, Javé estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: ‘À sua descendência eu darei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio, o Eufrates”. Essa Aliança de Javé com Abrão se renova todas as vezes que, homens de boa vontade, se comprometem a devolverem à Terra a fertilidade e, portanto, a sua função natural como Casa de Todos. Do ponto de vista teológico, isto tudo nos remete à idéia de que tudo pertence a Deus e que nós somos apenas administradores da Terra e dos bens naturais: “A terra não será vendida perpetuamente, pois que a Terra me pertence e vós sois para mim estrangeiros e residentes temporários”(Lv 25,23).
O juízo moral sobre a ambição dos poderosos é fortemente apresentado no profeta Isaías: “Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país”(Is 5,8). Percebemos aí “Um panorama da corrupção geral: a desmesurada ambição dos poderosos açambarcam a Terra de Deus; a corrupção se alastra, o senso moral se perverte, o direito é falsificado e as injustiças se multiplicam; a auto-suficiência é exaltada e chega até mesmo a desafiar o próprio Deus”.[5]
O salmo 65 é uma “oração de agradecimento, na qual se reconhece o que Deus significa para o povo. É a festa da Colheita, logo após o dia do Perdão. O salmo também nos revela que “Deus é o Senhor da natureza: Ele providencia para que o ciclo da natureza se realize e o homem possa viver do fruto do seu trabalho”.[6]
“Ó Deus, tu mereces um hino em Sião.
Nós viemos aqui pagar as promessas,
Porque Tu ouves as súplicas.
Cuidas da Terra e a regas,
E sem medida a enriqueces.
O riacho de Deus está cheio d’água,
E preparas assim os trigais:
Regando os sulcos, aplainando os terrões,
Amolecendo com chuviscos a terra,
Abençoando seus brotos.
Coroas o ano com Teus bens,
E Tuas trilhas gotejam fartura.
As pastagens do deserto gotejam,
E as colinas se enfeitam de alegria.
Os campos se cobrem de rebanhos
E os vales se vestem de espigas;
Dão gritos de alegria e cantam”
(Sl 65,2.10-14)
Celsio Elias Carrocini
Franca-SP.
[1] Alfredo José GONÇALVES, Migrantes: com Deus pelejando pela Terra, in: Vida Pastoral, n.142, p.10
[2] Pontifício Consejo “Justiça y Paz”, n.23
[3] CNBB, Terra de Deus, Terra de Irmãos, p.38-39.
[4] Pontifício C. “Justiça e Paz”, n.22e23.
[5] Bíblia Pastoral, comentários à este texto.
[6] Idem, comentários à este texto