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30 de jun. de 2011

SIGMUND FREUD E A TEORIA PSICANALÍTICA


Psicanálise é a ciência dos processos mentais inconscientes. Constitui ao mesmo tempo um método para a investigação dos processos mentais, de outro modo inacessíveis; uma terapêutica, a psicoterapia, para tratamento das desordens neuróticas; e um arcabouço de concepções psicológicas estruturado a partir das duas práticas anteriormente citadas para constituir uma disciplina científica. A psicanálise pode ser entendida como uma técnica de interpretação.
A doutrina psicanalítica foi criada no final do século XIX pelo médico austríaco Sigmund Freud, cuja preocupação inicial foi a de descobrir como minorar o sofrimento causado pelos distúrbios emocionais. Em lugar de aceitar que se devia amortecer esse sofrimento mediante a prescrição de remédios, procurou descobrir quais fenômenos estavam em sua gênese. Concluiu que o desejo era o que estava encoberto, e constatou também que a manifestação dessa verdade provocava efeitos positivos sobre os sintomas, principalmente sobre o sofrimento, cuja causa é o desconhecimento do desejo. Ou seja, a revelação do desejo reprimido eliminava o sofrimento.
Baseado nas investigações de Josef Breuer, bem como nas de Jean Martin Charcot e Pierre-Marie-Félix  Janet, sobre a aplicação de catarse hipnótica em pacientes com traumas psíquicos e morbígenos, Freud supôs que o sintoma histérico poderia ser o substitutivo de um ato mental omitido ou uma reminiscência da ocasião em que o mesmo fora praticado. Apesar dos excelentes resultados advindos da terapêutica pela catarse hipnótica, rejeitou a inevitável relação de dominação estabelecida entre médico e paciente por essa técnica e, após amplas investigações, substituiu a hipnose por um método de livre associação de idéias, feita espontaneamente pelo paciente em estado de vigília. Com isso, estavam lançadas as bases da psicanálise.
Estrutura do aparelho psíquico: A perspectiva de Freud centraliza-se na idéia do conflito. Distingue três regiões na estrutura do psiquismo, que não correspondem a zonas estritamente delimitadas: a consciente, a pré-consciente e a inconsciente. A região do inconsciente incluiria todos os processos e representações voluntariamente inacessíveis à evocação, embora permeáveis à análise. O pré-consciente cobriria todas as representações acessíveis, a qualquer momento, ao processo evocador. Por atuação da censura, as três instâncias se polarizariam e viriam a compor dois sistemas antagônicos, o sistema consciente-pré-consciente e o sistema inconsciente, este portador de certo grau de incompatibilidade com as representações e processos integrantes do sistema consciente-pré-consciente.
Inicialmente, Freud identificou o sistema consciente-pré-consciente com a instância do ego e conceituou o conflito como se opusesse esse sistema consciente-pré-consciente ao sistema inconsciente. Porém, em 1923, propôs outro esquema representativo do conflito, no qual distinguiu entre as instâncias do ego, do superego e do id. O id seria a zona dos impulsos instintivos; o ego, ou seja, a porção mais superficial do id, estaria sujeito a modificações por influência do meio exterior; e o superego, que domina o ego e representa a inibição dos instintos. Assim, a camada mais externa do ego agiria no plano consciente, enquanto as zonas profundas do id permaneceriam mergulhadas na inconsciência.
Aspecto dinâmico das situações conflitivas: A noção de conflito implica a existência de forças antagônicas. Essas forças logo se revelaram representadas, de um lado, pelas pulsões sexuais; de outro, pelo impulso de autoconservação do ego, vinculado às funções orgânicas (nutrição, respiração etc.). Esse esquema permaneceu até 1915, quando Freud iniciou um processo de revisão e acabou por adotar o conceito de narcisismo. Desde então, a libido -- emanada das pulsões sexuais -- centraliza-se no próprio ego e dele deriva, parcialmente, para os objetos externos, de onde reflui para o ego. As funções de autoconservação e sobrevivência passam, então, a ser conceituadas como decorrências do investimento libidinoso do próprio ego. O conflito não aparece mais representado pela oposição entre pulsões sexuais, de um lado, e, do outro, pelo instinto de autoconservação do indivíduo. Revela-se então como expressão de uma mesma energia libidinal que se bifurca, centralizando-se em parte nos objetos e, em parte, investindo-se no próprio ego.
Em 1920, no entanto, Freud publicou Jenseits des Lustprinzips (Além do princípio do prazer), com nova concepção dualista, que opõe de um lado as pulsões de vida e, de outro, as pulsões de morte. A idéia de um instinto de morte implica a presença -- em todos os seres vivos -- de um impulso que visa ao retorno ao estado inanimado. O impulso de morte visa à autodestruição. O instinto de vida será então o conjunto de forças que operam contra o processo de autodestruição. A libido, assimilada ao instinto de vida, teria por função neutralizar a tendência autodestrutiva. Freud destaca a freqüência com que comportamentos são repetidos compulsoriamente sem que haja vestígios de satisfação libidinal.
Teoria da neurose: O estudo das neuroses envolve dois aspectos básicos: o etiológico e o terapêutico.
 Sobre o aspecto etiológico, ou seja, das causas das neuroses, Freud enfatizou as determinações de ordem psicológica, embora os fatores somáticos sejam reconhecidos em certos tipos de neuroses, especialmente as ditas atuais ou narcísicas. Considerou também que os fatores genéticos podem predispor as perturbações do comportamento.
 Do ponto de vista terapêutico, a psicanálise interessa-se em remover as causas que determinam os sintomas. Visa ao desrecalcamento e à interpretação. O desrecalcamento realiza-se pela revivência e não por meio da simples rememoração das experiências traumáticas. As dificuldades que se observam no processamento do desrecalque exprimem o fenômeno da resistência.
 Resistência: As experiências penosas e inaceitáveis sofrem um processo de repressão por parte dos escrúpulos e temores éticos, e são relegadas a áreas marginais e obscuras da consciência. Essas experiências recalcadas tentam exteriorizar-se, mas as forças conscientes não o permitem e estabelecem uma rigorosa censura sobre o que pode e o que não pode aflorar à consciência. Esse mecanismo denomina-se resistência. Os impulsos instintivos reprimidos conseguem, em muitos casos, burlar a censura por um processo de disfarce, como por exemplo um sintoma neurótico que o substitui ou simboliza. Para a interpretação na neurose, portanto, o que se propõe é a descoberta do que subjaz reprimido e se manifesta por intermédio dela.
 Tipos de neurose: Freud classificou as neuroses em dois grupos: as atuais ou narcísicas e as transferenciais ou psiconeuroses. As primeiras se caracterizam pelo caráter somático. Como não são determinadas por fatores psíquicos, seus sintomas não comportariam interpretação, pois não teriam significado. A neurastenia, a neurose de angústia e a hipocondria constituem os três tipos de neuroses atuais ou narcísicas. As neuroses transferenciais podem ser significativas e curáveis pela técnica terapêutica da psicanálise. Caracterizam-se estas neuroses transferenciais por serem produzidas psicologicamente em função das experiências infantis e por serem significativas, isto é, por serem a manifestação de desejos recalcados. Suas formas são a histeria, a neurose de ansiedade e a neurose obsessiva.
Teoria da sexualidade: A originalidade de Freud se revela na teoria da sexualidade, principalmente na forma inversa com que a entendeu: em lugar de partir das fases inferiores do processo genético, tomou as formas superiores como ponto de partida. Examinou as fases que antes teriam sido vencidas, mediante o exame dos processos de regressão. Com essa técnica, determinou melhor a própria noção de sexualidade, fixou suas formas infantis e precisou o verdadeiro sentido das perversões, vendo nelas formas de um processo de regressão. Quanto à caracterização da sexualidade, Freud ampliou-lhe o significado em duas direções: (1) mostrou a presença de manifestações sexuais na infância; e (2) mostrou o caráter sexual de certas formas de conduta, aparentemente desvinculadas de significado sexual.
Essa incorporação de manifestações aparentemente não-sexuais à sexualidade foi, também, consequência da própria reestruturação do conceito de instinto. Para Freud, o instinto é o conjunto dos atos psíquicos necessários à realização de uma função fisiológica. O instinto visa à conservação do indivíduo ou à conservação da espécie e apresenta quatro características: (1) uma fonte; (2) uma finalidade; (3) um objetivo; (4) um impulso. A fonte é caracterizada como uma condição ou necessidade do corpo e sua finalidade é remover a excitação. O objetivo é aquilo que satisfaz uma necessidade. O impulso é a sua força. O instinto é conservador e regressivo, pois ao ser reduzida a sua tensão, volta o organismo ao estado de tensão anterior. Ao caráter cíclico do instinto Freud denomina repetição compulsiva.
A sexualidade infantil tem, para Freud, duas fases básicas: (1) auto-erótica; (2) heteroerótica. A primeira é constituída da fase oral-sádica e da fase anal-sádica. Nesse período inicial, a libido se volta difusamente para o próprio corpo. A segunda fase, heterossexual, define-se como fálica e se caracteriza por uma fixação libidinal transitória denominada complexo de Édipo, que consiste na fixação da libido no genitor de sexo oposto, num sentido evidentemente incestuoso. A essas duas fases básicas sucede o período de latência, que termina na puberdade, quando a libido toma direção sexual definida e se instala a sexualidade genital.
Por motivos de ordem cultural, recai sobre os instintos sexuais a mais intensa repressão, mas, paradoxalmente, nesses casos os mecanismos repressivos tornam-se mais falhos e permitem o aparecimento de sintomas neuróticos.
Transferência: A teoria freudiana da sexualidade permitiu à psicanálise a formulação do conceito de transferência, mecanismo por intermédio do qual desejos inconscientes se atualizam no contexto da relação entre analista e analisando. A transferência é um dos principais instrumentos de trabalho da psicoterapia analítica, pois permite a repetição de protótipos infantis, vivida com sentimento de atualidade, facilitando a solução de traumas e conflitos neurotizantes. A possibilidade de evocação desse mecanismo prova que o adulto não superou a dependência infantil. Por meio da sugestão, o terapeuta induz o paciente a superar suas resistências internas e internas e trazer os conflitos à superfície.
Psicopatologia da vida cotidiana. Os lapsos, os esquecimentos, os erros etc. são estudados na obra Zur Psychopathologie des Alltagslebens (1904; Psicologia da vida cotidiana). Freud atribui-lhes um significado, por não aceitar que sejam acidentais. Com isso, generalizou o princípio do determinismo psicológico, que caracteriza todos esses atos como padrões expressivos de motivações inconscientes.
A classificação dos atos falhos compreende três grupos: (1) atos sintomáticos; (2) atos perturbados; (3) atos inibidos. Entende-se por ato sintomático aquele que se cumpre sem recalque. O ato perturbado caracteriza-se como o que se cumpriu só parcialmente, em face de um recalque incompleto. O ato inibido é o que resulta de uma situação de conflito, na qual ocorre recalcamento completo. Dentro da perspectiva psicanalítica, que sustenta a continuidade entre o normal e o patológico, afirma-se que os atos sintomáticos são comuns no homem normal. Seriam os gestos involuntários, que revelam aquilo que o sujeito pretende não revelar. Já os atos perturbados são resultado de uma intersecção de forças e expressam uma situação de conflito. Estes podem ser de visão, de audição e de gesto, assim como podem estar presentes em erros de memória. O ato inibido pode se manifestar no domínio cognitivo -- esquecimento -- como no domínio motor -- paralisia. Esse último situa-se na esfera patológica, ou seja, nas manifestações histéricas.
Teoria do sonho: "O sonho é a realização de um desejo." No livro Die Traumdeutung (1900; A interpretação dos sonhos), Freud tornou possível o estudo interpretativo do sonho e introduziu o método da associação. Esse estudo é definido por ele como a estrada real para o inconsciente. Acreditava que diversas pressões motivacionais, além daquelas de natureza sexual, podem provocar sonho. Do ponto de vista fisiológico, o sonho constitui condição indispensável ao processamento do sono. Sonha-se para que se possa dormir. A tendência perturbadora é o desejo a se reduzir ou se satisfazer. Entre as propriedades do sonho, é preciso mencionar: (1) a facilidade com que ele é esquecido; (2) o predomínio das imagens e, em particular, das imagens visuais sobre os elementos de natureza conceitual, o que o caracteriza como expressão do processo regressivo; (3) seu conteúdo significativo redigido em nível metafórico, que impõe trabalho de interpretação; (4) sua natureza hipermnésica, no sentido de que nele se mobilizam experiências inacessíveis à evocação quando em estado de vigília.
 Há, no sonho, um conteúdo manifesto e um conteúdo latente, que são as idéias oníricas encobertas. O conteúdo manifesto é o sonho tal como ele é relatado. O conteúdo latente é o seu sentido oculto, sentido que justifica o processamento da análise interpretativa. Os pensamentos latentes e o conteúdo manifesto do sonho aparecem como dois relatos dos mesmos fatos, em línguas diferentes ou em níveis diversos.
Teoria do chiste: O chiste ou trocadilho representa produção psíquica muito próxima, em sua estrutura e em suas funções, dos processos do sonho.
A diferença decorre do sentido social do chiste, por oposição ao sonho, marcado por caráter estritamente individual. Freud distinguiu dois tipos fundamentais de chiste: o inofensivo e o tendencioso. Este, por sua vez se divide nos que se caracterizam pelo sentido agressivo e os que se definem como obscenos, ambos processamentos catárticos, que possibilitam redução de tensão. Quanto aos chistes inofensivos, o que os caracteriza é o fato de que neles a gratificação é intrínseca.
Teoria da cultura: A problemática sociocultural foi estudada por Freud, fundamentalmente, em três obras: Totem und Tabu (1912-1913; Totem e tabu), onde o tema é a origem da sociedade; Massenpsychologie und Ich-Analyse (1921; Psicologia coletiva e análise do ego), na qual faz a análise das razões que determinam a formação e a persistência dos grupos humanos; e Das Unbehagen in der Kultur (1930; O mal-estar na civilização), em que considera a possibilidade da felicidade, levando em conta o fato de que a sociedade impõe uma drástica redução das satisfações individuais.
Movimento psicanalítico: Os primórdios da psicanálise podem ser determinados por duas datas: 1895, ano da publicação do trabalho conjunto de Freud e Breuer, intitulado Studien über Hysterie (Estudos sobre a histeria); e 1900, quando apareceu a obra de Freud Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos). Em 1907, psiquiatras suíços, sob orientação de Eugen Bleuler e Carl Gustav Jung, começaram a introduzir novos conceitos na teoria psicanalítica. Um ano depois, em Salzburgo, houve uma reunião de adeptos da psicanálise oriundos de vários países. Em 1909, as conferências feitas por Freud e Jung na universidade americana de Clark despertaram interesse entre os europeus. As principais críticas dos médicos visavam a questão da valorização dos dados psíquicos em detrimento dos fatores físicos. Do ponto de vista filosófico, criticou-se a prioridade dada à atividade mental inconsciente na formulação dos conceitos universais.
Diretrizes freudianas: A despeito de tudo, porém, surgiram inúmeras organizações psicanalíticas internacionais. Um artigo de Freud, publicado em 1926, mostra as linhas gerais do desenvolvimento técnico e teórico da psicanálise nos anos que se seguiram. Segundo suas diversas diretrizes, o movimento pode ser assim dividido:
(1) o esquema da organização psicológica teve sua importância limitada pelo fato de, em seus últimos escritos, ter Freud se concentrado no estudo dos problemas psicodinâmicos;
(2) o papel da ansiedade, bem como o dos processos conscientes e inconscientes de que se vale o ego para controlar seus impulsos, ganhou importância na pesquisa analítica;
(3) o incremento do interesse pelo estudo da psicoterapia aplicada à criança, pois a partir das observações de Freud, Hermind von Hug-Hellmuth e Jung, a análise infantil foi ampliada por Anna Freud, Melanie Klein e outros;
(4) os problemas da sexualidade feminina tornaram-se o principal objeto de estudos por parte de Freud, Ernest Jones, Helene Deutsch, Ruth Mack Brunswick, Sándor Radó, Karen Horney e outros;
(5) a técnica e a teoria psicanalíticas passaram a ser aplicadas ao estudo da fisiologia e patologia orgânicas, o que culminou na nova diretriz terapêutica da interpretação psicossomática de doenças; e
(6) outro direcionamento importante ocorreu nos setores antropológico e sociológico, onde se destacaram Geza Roheim, Margaret Mead, B. Malinowski, Abram Kardiner, John Dollard e outros.
Evolução da psicanálise: O movimento psicanalítico apresentou sérias divergências. Assim, enquanto Freud atribuía importância capital ao aspecto biológico nos processos do psiquismo humano, Jung seguiu diretriz mística; já Otto Rank se referia à psicologia facultativa do século XVIII, ao passo que Alfred Adler enfatizava um poder agressivo artificialmente isolado. Controvérsias mais recentes dizem respeito a detalhes da técnica e da teoria psicanalíticas. Os líderes desse movimento podem ser agrupados em duas facções, os chamados "neofreudianos" e "antifreudianos".
Outras tendências divergentes no movimento psicanalítico são representadas por Sándor Ferenczi, que a partir de 1927 se afastou da ortodoxia freudiana e cujas experiências inspiraram a análise em grupo e o psicodrama; Wilhelm Stekel, que preconizou terapia ativa e tratamento mais curto; e Wilhelm Reich, que rompeu com Freud por considerar a psicanálise ortodoxa reacionária do ponto de vista social. O movimento crítico deu origem a novas tentativas de revisão no seio da psicanálise, cujo objetivo era uma aproximação com a psicologia experimental, apesar da diferença de perspectivas entre as duas disciplinas.
Influência cultural: A psicanálise determinou novos rumos para as ciências humanas -- sociologia, antropologia e demais disciplinas --, para a arte e para a religião. Sobretudo, influenciou o próprio estilo de vida e costumes do homem do século XX, principalmente quanto à liberdade para a discussão das questões ligadas à sexualidade.


Bibliografia:
Enciclopedia Britânica