Pesquisa no blog

Print Friendly and PDF

22 de abr. de 2012

JAMES LOVELOCK E A HIPÓTESE GAIA

James Lovelock defende que Terra e vida formam sistema único
( por HELIO GUROVITZ)

 O britânico James Lovelock propôs na década de 70 a noção de que a
 Terra não poderia ser separada da vida. Ousou considerar o planeta um
 superorganismo vivo, que se equilibrava sozinho sempre que
 perturbado. Para completar, batizou esse organismo com o nome de
 uma deusa grega: Gaia.
 Foi a ira dos cientistas e a glória dos místicos. De respeitado cientista,
 Lovelock passou a ser visto como louco, herético ou profeta.
 Defensores do rigor científico acusavam Gaia de trazer
 intencionalidade a algo que não tem consciência: o planeta Terra.
 Como poderia a Terra _sozinha_ restaurar seu equilíbrio físico e
químico quando perturbada? Como seres vivos 1 em eterna competição
pela sobrevivência poderiam gerar um ambiente harmônico em Gaia?
 A origem da idéia estava nos dois anos que Lovelock passou na Nasa
 (EUA). Ele concluiu que as características da atmosfera de Marte
 bastam para dizer que lá não há vida. Seria, portanto, inútil enviar uma
 expedição ao planeta.
 Sofreu forte oposição, mas ajudou a montar os aparelhos que estão até
 hoje, a bordo da Viking, em solo marciano. Vida em Marte, ninguém
 ainda achou.
 De volta ao Reino Unido, Lovelock foi para o campo e se tornou
 pesquisador independente. Desenvolveu medidores que acabaram por
 detectar o buraco na camada de ozônio que envolve a Terra. E
 elaborou a hipótese Gaia.
 Em 1977, mudou-se para a propriedade rural de Coombe Mill, em St.
 Giles on the Heath (sudoeste). Na década de 80, modelos matemáticos
 começaram a sugerir que algumas noções trazidas de Gaia talvez
 tivessem sentido.
 Com o aumento da capacidade dos computadores, tornou-se possível
 calcular a interação de centenas de espécies, substâncias químicas e
 variáveis físicas.
 Para espanto dos pesquisadores, propriedades de equilíbrio e auto22
regulação surgiram naturalmente, sem que houvessem sido
 programadas (são as chamadas propriedades emergentes). Não eram
 intencionais, mas eram reais.
 Um dos mais respeitados biólogos britânicos, John Maynard Smith,
 passou a ver um tópico científico válido no que antes considerava uma
 religião do mau.
 Aos 76 anos, pai de quatro filhos e avô de nove netos, Lovelock
 concedeu por telefone à Folha a entrevista a seguir.

 Folha - Como o sr. define Gaia?
 James Lovelock - Não é simples. A hipótese Gaia surgiu por volta de
1971 e supunha que a Terra regula seu clima e sua química de um
 modo que seja confortável para si mesma, e que os pulmões eram
 responsáveis por isso.

 Folha - Como?
 Lovelock - Essa era uma visão incorreta. Aquilo de que falamos hoje é
 a teoria de Gaia, que é uma teoria evolutiva, que pensa a evolução dos
 organismos vivos do mesmo modo como Darwin fazia.
 Mas a evolução das rochas, do ar e dos oceanos não fica separada
 disso. Os processos evolutivos são acoplados. Na teoria, formulada
 matematicamente, a auto-regulação de clima e oceanos é o que
 chamamos propriedade emergente. A teoria é aceitável. Mas a
 hipótese original estava errada. Pulmões não regulam mesmo nada.

 Folha - Qual era o erro original da hipótese Gaia?
 Lovelock - Só havia um modo de os organismos regularem a química.
 Era o que a hipótese sugeria. Mas agora nós acreditamos que é o
 sistema formado pelos organismos vivos e pela Terra que se regula.
 Podemos pensar na Terra como num ninho de cupins. É feito da parte
 material com que os cupins constróem o ninho, mais os próprios
cupins que vivem dentro. Tudo junto é capaz 1 de se regular sozinho. O
 ninho de cupins é um sistema bem equilibrado.
 Assim como nós. Se você estender essa idéia para todo o planeta, vai
 entender. Não é que os cupins regulem sozinhos a temperatura do
 ninho, mas os cupins e o ninho formam juntos um sistema que regula
 sua temperatura sozinho.

 Folha - Por que a comunidade se enfureceu e se dividiu contra ou a
 favor de Gaia?
 Lovelock - A maioria foi contra (risos). Só um pequeno grupo nos
 levou a sério. Um grande biólogo britânico, John Maynard Smith,
 considera agora que a teoria de Gaia é um tópico científico válido. Há
 apenas três anos, ele se referia a ela como uma religião do mau.

 Folha - Recentemente uma série de trabalhos parecem dar força à
 teoria de Gaia. O sr. poderia mencionar os principais?
 Lovelock - Não muito longe de você, em São José dos Campos, houve
 uma reunião na década de 80 sobre geofisiologia da Amazônia.
 Discutiu-se uma visão similar a Gaia do mundo e da Amazônia.
 As conclusões foram publicadas num livro intitulado "A Geofisiologia
 da Amazônia". Vejo esse livro como uma espécie de ponto inicial,
 quando cientistas se reuniram para discutir Gaia a sério.
 Pessoas que fazem modelos em centros climáticos começaram a
 incluir a biosfera em seus modelos. Quando fazem isso, a não ser que
 o façam de acordo com Gaia, os modelos não funcionam, ficam
 instáveis e caóticos. Quando o fazem de acordo com Gaia, obtêm
 previsões interessantes.
 Recentemente tivemos um resultado de um centro no Wisconsin
 (EUA) de que florestas boreais escuras da Sibéria e do Canadá agem
 de modo a aumentar o aquecimento do planeta.

 Folha - O sr. poderia explicar isso em mais detalhes?
 Lovelock - Sim. As florestas escuras crescem em regiões perto do pólo
 Norte. Se você olhar o formato das árvores, elas são altas, escuras e
 encobrem a neve. Vistas do espaço, as florestas são todas escuras. Isso
 muda o lugar, de modo que toda a região é aquecida muito mais na
 presença da floresta.
 Várias outras evidências têm surgido. Ainda acho que a melhor prova
 para Gaia vem da comparação da Terra com Marte e Vênus.
 Nossa atmosfera e nosso clima são consequências da vida. Se a vida
 fosse removida da Terra, as mudanças levariam o planeta a ser algo
 entre Marte e Vênus. Seco, quente e com gás carbônico como o
 principal gás atmosférico.

 Folha - Em 1994, o sr. publicou na revista "Nature". Há quanto tempo
 o sr. não publicava em revistas tradicionais?
 Lovelock - Seria incorreto dizer que fui banido (risos). Sou membro
 da Sociedade Real. Fui eleito presidente da Sociedade de Biologia
 Marinha. Também sou um membro visitante em Oxford. Não estou
 perdido ou vivendo numa selva. Para cientistas americanos, talvez,
 porque certa vez disse que era absurdo falar em vida em Marte. Mas
 essa é uma razão política.

 Folha - O sr. acha que cientistas tentam evitar a teoria de Gaia como
 algo que pode ter implicações religiosas?
Lovelock - Você está provavelmente certo. O 1 interesse em Gaia por
 parte de grupos religiosos tem muitas desvantagens.
 Posso compreender a intenção deles, mas isso repele cientistas que
 possam estar interessados. Como não tenho direitos sobre o nome
 Gaia, uma vez que introduzi a idéia, ela está em domínio público. No
 século passado, Darwin também passou por dificuldades com o termo
 darwinismo social.

 Folha - O sr. crê em Deus?
 Lovelock - Nunca acreditei em Deus, mas não sou um ateu. Acredito
 que vivemos não só num lugar estranho, mas muito mais estranho do
 que jamais poderemos imaginar (risos).

 Folha - No último congresso internacional sobre o clima em Viena,
 chegou-se à conclusão de que o ser humano é responsável pelo
 aquecimento global. Como conciliar o equilíbrio de Gaia com esses
 seres "inteligentes"?
 Lovelock - É preciso lembrar que esse modelo tem 3,5 bilhões de
 anos. O homem viveu nele por um tempo muito curto.
 É um sistema notavelmente estável. Chegamos muito tarde e
 representamos uma perturbação. Mas principalmente para nós
 mesmos, não tanto para o sistema.
 Escolhemos alterar a atmosfera quando o sistema está num estado
 doente. Foi sobre isso que escrevi na "Nature". Achamos que a
 glaciação é o estado saudável de Gaia e períodos intermediários são
 um tipo de febre. É a hora errada para liberar gases do efeito estufa.
 É como se eu ou você tivéssemos febre e colocassem lâmpadas
 quentes perto, de modo que a febre aumentasse. Não é sensato.”